sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

 


BETE BALANÇO

Para todos aqueles que, como eu, viveram intensamente a década de 1980

 

Corria o ano de 2022, a população, ainda assustada, se recuperava dos traumas vividos pela pandemia da Covid-19.

Ana Maria, com os seus dezesseis anos, sofreu. Concluinte do ensino médio em Teixeira de Freitas, ficou assustada quando viu a cidade ficar com o comércio – a principal fonte de renda da cidade – todo fechado, por mais de uma semana.

Gostava de sair com os amigos, principalmente nos finais de semana, quando fazia seus covers de vocal e guitarra em alguns bares da cidade. Com a pandemia, foi obrigada a ficar em casa, e até mesmo sem poder ir à escola, apenas com aulas pela internet.

Na verdade, a jovem não era boa aluna na escola. Gostava apenas de Literatura e Filosofia, nas outras matérias, ficava sempre de recuperação, e passava sempre pelo conselho de classe.

No último ano – o terceiro – foi aprovada pela resolução do período pandêmico que facilitou a aprovação da estudantada em geral.

E assim ia levando. É claro que o seu desempenho escolar era motivo de desavenças com os pais. E não só: teimava em querer ser artista, cantora de rock, o que levava os pais ao desespero.

– Minha filha, você não está vendo a vida difícil dos artistas, apenas alguns poucos conseguem sobreviver nesse ramo. Muitos estão passando fome, igual como diz Raul Seixas, na canção “Ouro de tolo” – tentava argumentar o pai, um cinquentão que viveu e conheceu bem a música dos anos 70 e 80.

Nesse ínterim, apareceu outra “ovelha negra” na família – Bruno, de apenas quinze anos, primo de Ana, que morava em Salvador, e queria ser baterista. A família tentava convencer o jovem a fazer o ENEM para ser médico, arquiteto, advogado, ou qualquer outra profissão, mas ele não queria.

É claro que, apesar da distância, os dois logo se sentiram unidos em torno da sua “causa” em comum. Estavam sempre se falando, usando as facilidades da internet, e até gravando clipes de música em conjunto, que depois postavam no You Tube, começando a ganhar visibilidade e a fazer sucesso, com milhões de visualizações.

Mas havia um problema: tanto em Salvador e mais ainda em Teixeira de Freitas, não havia tanto campo ou mesmo público para a música de que a dupla gostava, ou seja, o rock ‘n’ roll. Assim, começavam a fazer planos para ir para São Paulo, evidentemente, a contragosto dos pais.

Ao contrário dos jovens de sua cidade, Ana conhecia todas as músicas do anos 60, 70 e 80. Mas a sua grande inspiração de vida e atitude veio quando conheceu a canção “Bete Balanço”, do Barão Vermelho, que ela começou a cantar e tocar nos seus covers pela cidade.

A canção tinha sido encomendada a Cazuza para o filme com o mesmo nome. Ele e Frejat, com quem tinha muita sintonia, a compuseram, vindo a se tornar um dos maiores sucessos dos anos 80, um dos símbolos dessa geração. Além do Barão Vermelho, outras bandas se destacaram, como Kid Abelha, Blitz e os Paralamas do Sucesso.

Apesar da resistência dos pais, Ana começou a fazer sucesso nos modernos serviços de streaming, como o Spotify e Amazon Music, de modo que a sua sonhada ida para São Paulo começava a se desenhar no horizonte. Os primos se uniram e, mesmo contrariando a família, foram tentar a vida em São Paulo, em maio de 2022.

Agências ligadas ao audiovisual e cinema sediadas na capital paulista também começaram a se interessar pela história de Ana e Bruno, cogitando, inclusive, uma continuação do filme “Bete Balanço”, lançado originalmente em 1984.

A história desses jovens baianos que foram tentar a vida em São Paulo, na área artística, expuseram dilemas a serem discutidos no âmbito das famílias e da sociedade, pois as profissões que são consideradas mais promissoras e seguras ainda continuam sendo as mais tradicionais. Um bom exemplo é o curso de medicina, que continua sendo o mais procurado e o mais concorrido no ENEM, principalmente pelas classes sociais consideradas mais abastadas e bem-sucedidas, financeiramente falando.

E é claro, também vieram à tona os temas da democratização, visibilidade e sucesso, sobretudo no meio musical, onde se percebe um “grupo fechado” de artistas e conhecidos medalhões da MPB, incluindo-se aí a discussão em torno da Lei Rouanet.

Diante desse cenário, os pais não querem nem ouvir falar de filhos que almejam seguir a carreira artística. Mas isso não é só aqui no Brasil, não – basta ver o clássico filme “Sociedade dos poetas mortos”, de 1989, estrelado pelo saudoso Robin Williams e ambientado nos Estados Unidos.

Enquanto isso, Ana continua revivendo “Bete Balanço” e o tal velho e bom rock ‘n’ roll, em busca de seu destino e sua estrela, até o ponto em que quer chegar.

O conto “Bete balanço”, recebeu menção honrosa no VIII Prêmio Castro Alves de Literatura 2024, promovido pela ATL (Academia Teixeirense de Letras).

Erivan Santana é professor e poeta, cronista e titular da cadeira 36 da ATL.

 



 

 

 

 

 

 


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