quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

 


ACONTECEU EM MINNESOTA


Durante as manifestações que começaram a ocorrer este ano, a partir do estado de Minnesota, nos EUA, após o bárbaro assassinato de George Floyd, um vídeo viralizou na internet. A imagem de uma jovem negra, discursando em uma reunião com centenas de pessoas, me chamou a atenção, e imediatamente, procurei saber quem era. Tratava-se de Danielle Mallory, uma jovem ativista estadunidense. No vídeo, entre outras questões, ela diz: “Vocês são os saqueadores, a América saqueou o povo negro e os nativos americanos. Então, não nos fale de violência, a violência é o que vocês têm nos ensinado”. É importante mencionar que a filmagem do vídeo foi feita no calor dos acontecimentos e manifestações que se alastraram pelo país e se espalhou pelo mundo.

Muitos estavam desencantados com a geração atual, sobretudo os remanescentes da efervescente década de 1960. Diziam que os jovens de hoje são poucos engajados politicamente, e sentiam saudades dos movimentos de contracultura. Mas o movimento “Black lives matter”, em português “(Vidas negras importam), mudou esta percepção. Impulsionado pelas possibilidades que a internet oferece, o movimento ganhou o mundo, e colocou em pauta o tema do preconceito racial, trazendo também junto de si, as causas feministas, LGBT e dos povos indígenas, muitas vezes, temas negligenciados em uma sociedade movida pelas tradições do patriarcado, e pelas relações de poder, em que prevalecem os interesses do capitalismo financeiro internacional, com forte visão eurocêntrica e estadunidense.

Desta forma, o movimento “Black lives matter”, leva-nos a repensar o conceito de contracultura. Segundo Ken Goffman e Dan Joy, no seu livro “Contracultura através dos tempos”, este não é um termo que deva ser relacionado a um determinado tempo ou época, como costumamos fazer, quando nos referimos aos anos 60, por exemplo. A contracultura é viva e dinâmica, e está em permanente construção, independentemente do tempo e do espaço.

O atípico ano de 2020 está terminando (ou não), mas antes precisamos dizer e reafirmar: George Floyd, Marielle Franco, João Alberto, presente!

Erivan Santana. A crônica “Aconteceu em Minnesota”, ficou em 3º lugar, na 5ª edição do Prêmio Castro Alves de Literatura 2021, da ATL (Academia Teixeirense de Letras).

 


 

 


domingo, 24 de janeiro de 2021

 


BAHIA, EM XVII DE NOSSO SENHOR

 

Gregório de Matos rabiscava um poema, nas escadaria da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, um dos seus lugares preferidos, posto que tinha uma ampla visão da praça e do entorno. Gostava de estar nas tavernas, nos bares, nas ruas, praças e igrejas, era assim que se informava, além dos parcos periódicos europeus que chegavam à cidade.

Alguns pombos pousaram no pátio da igreja, o tocador de sinos entrou, se preparando para anunciar a missa da Ave Maria, a tarde estava tranquila e inspiradora, na cidade de S. Salvador.

Subitamente, seu semblante se alterou, e um fio de preocupação lhe percorreu o pensamento, quando alguns passantes, notadamente nobres portugueses, apontavam em sua direção, e entre cochichos, diziam: É este o “Boca do Inferno”. No entanto, ele já sabia, sua fama àquela altura, se espalhara por toda a colônia. Incomodados estavam a coroa portuguesa, comerciantes, traficantes de escravos, funcionários da realeza, como os cobradores de impostos e até mesmo o clero. A situação só não estava pior, porque contava com a simpatia do então governador D. João de Alencastro.

Apesar de tudo, ele estava decidido, e como Camões, salvando “Os Lusíadas”, no mar revolto, iria até o fim.

O sol começava a se esconder, por trás da Baía de Todos os Santos, o poeta recolheu seus escritos, e foi se encontrar com sua amante, Maria de Povos, na taverna portuguesa “Delícias do Porto”.

Erivan Santana



 

domingo, 17 de janeiro de 2021

 


PRO DIA NASCER FELIZ


Ela chegou apressada, quase atropelou um cachorro que atravessava a rua. Entrou no banco, foi ao caixa e saiu. Ficou procurando o carro, mas não encontrava. Tinha jurado que o tinha estacionado ali, perto do meio fio. Um rapaz, daqueles que ficam guardando vagas de carros, percebeu e veio ajudá-la.

- A Sra. é professora?

- Sou, por quê?

Ele respondeu, apontando para os livros que ela carregava. Tinha esquecido de deixá-los no carro. Saíram procurando, ela o tinha deixado mais distante, na outra esquina, o rapaz ajudou a encontrar. Ela deu-lhe uma gorjeta e entrou no carro. Olhou no retrovisor, estava com o cabelo todo desarrumado, o óculos fora do lugar. Deu uma arrumada no cabelo com a ponta dos dedos, ajeitou os óculos, ligou o carro e deu a partida.

Começou a pensar na manhã difícil que teve. Viu-se obrigada a separar uma briga na 6ª série C, que tinha 50 alunos, e na 5ª série A, também com 50 alunos, não conseguiu explicar o assunto, tamanha a inquietação dos alunos. Já pediu à diretora para separar as turmas, mas o sistema não permite, o prefeito alega que não pode ter salas com poucos alunos. Quem dá aulas para turmas de 5ª e 6ª séries do fundamental, faz qualquer coisa na vida, pensou.

Além disso, a situação financeira apertava, 5 anos sem reajuste, já. Os do andar de cima tem auxílio paletó, auxílio café, auxílio isso e aquilo, e o professor, tem auxílio de quê? Semana passada esteve no psicanalista.

- O que a Sra. tem?

- Nada, Dr., só queria estar aqui, descansar um pouco, quando chego da escola, ainda tenho outra jornada em casa.

Na quinta-feira, ao chegar da escola à noite, Raquel mal conseguiu tomar banho e comer alguma coisa. Foi logo dormir, de tão cansada que estava. Amanhã será outro dia na Escola Municipal Florestan Fernandes.

Erivan Santana



 

 

domingo, 10 de janeiro de 2021

 


NO SUPERMERCADO, EM TEXAS

 

Entrei no supermercado para comprar panetones. Todo natal e início de ano novo é assim, aproveito a desculpa para esticar a compra dos panetones até o fim de janeiro. Peguei alguns, uma garrafa de vinho, refrigerantes e duas caixas de chocolate, e me encaminhei para a fila do caixa. Foi aí que percebi que o supermercado estava lotado. Estava havendo uma promoção, com 50% de desconto em quase todos os produtos. Cogitei em desistir, mas lembrei que estava na fila do caixa rápido, e no final, dois caixas atendem, entretanto, a fila estava imensa.

Uma multidão usando máscaras e filas quilométricas, era este o cenário. Os boatos e conversas começaram a surgir.

- Quando teremos a vacina, a Argentina e o Chile já estão se vacinando, e nós?

- Estão esperando o aval da Anvisa.

- Eu não tomarei a vacina, não confio no governo.

- Este governo nem calendário de vacinação tem, não planejou nada.

- A rainha da Inglaterra se vacinou ontem.

- E a coleta do lixo na cidade, alguém sabe?

- O novo prefeito disse que vai começar amanhã.

A fila andava devagar, estava muito grande. Duas crianças que estavam na frente, começaram a chorar, quando viram as caixas de bombons, ao lado da fila. A mãe logo tratou de pegar duas e colocar no carrinho, as crianças se aquietaram.

E a conversa recomeçou, eu observava, e me lembrei que supermercado, feira e padaria são ótimos locais para um escritor garimpar histórias.

- Brasileiro gosta de fila, disse um rapaz, observando a multidão.

- Será que teremos a prorrogação do auxílio emergencial?

- Não, não viu o presidente dizer que o país está quebrado?

- Uai, e para que ele foi eleito, um grande líder se revela nessas horas, como foi o caso de Churchill e Roosevelt, durante os períodos de crise.

- Olha, não dá nem pra comparar o que nós temos, com esses aí, talquei?

Finalmente, cheguei ao caixa, paguei e ia saindo com as sacolas, quando a tv, já próxima da porta de saída do supermercado, mostrava a invasão ao Capitólio, em Washington. Deus salve a América.

 Erivan Santana

 


 

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