BETE
BALANÇO
Para
todos aqueles que, como eu, viveram
intensamente a década de 1980
Corria
o ano de 2022, a população, ainda assustada, se recuperava dos traumas vividos
pela pandemia da
Covid-19.
Ana
Maria, com os seus dezesseis anos, sofreu. Concluinte do ensino médio em
Teixeira de Freitas, ficou assustada quando viu a cidade ficar com o comércio –
a principal fonte de renda da cidade – todo fechado, por mais de uma semana.
Gostava
de sair com os amigos, principalmente nos finais de semana, quando fazia seus
covers de vocal e guitarra em alguns bares da cidade. Com a pandemia, foi
obrigada a ficar em casa, e até mesmo sem poder ir à escola, apenas com aulas
pela internet.
Na
verdade, a jovem não era boa aluna na escola. Gostava apenas de Literatura e Filosofia,
nas outras matérias, ficava sempre de recuperação, e passava sempre pelo
conselho de classe.
No
último ano – o terceiro – foi aprovada pela resolução do período pandêmico que
facilitou a aprovação da estudantada em geral.
E
assim ia levando. É claro que o seu desempenho escolar era motivo de desavenças
com os pais. E não só: teimava em querer ser artista, cantora de rock, o que
levava os pais ao desespero.
–
Minha filha, você não está vendo a vida difícil dos artistas, apenas alguns
poucos conseguem sobreviver nesse ramo. Muitos estão passando fome, igual como diz Raul Seixas, na canção
“Ouro de tolo” – tentava argumentar o pai, um cinquentão que viveu e conheceu bem
a música dos anos 70 e 80.
Nesse
ínterim, apareceu outra “ovelha negra” na família – Bruno, de apenas quinze
anos, primo de Ana, que morava em Salvador, e queria ser baterista. A família
tentava convencer o jovem a fazer o ENEM para ser médico, arquiteto, advogado,
ou qualquer outra profissão, mas ele não queria.
É
claro que, apesar da distância, os dois logo se sentiram unidos em torno da sua
“causa” em comum. Estavam sempre se falando, usando as facilidades da internet,
e até gravando clipes de música em conjunto, que depois postavam no You Tube,
começando a ganhar visibilidade e a fazer sucesso, com milhões de
visualizações.
Mas
havia um problema: tanto em Salvador e mais ainda em Teixeira de Freitas, não
havia tanto campo ou mesmo público para a música de que a dupla gostava, ou seja,
o rock ‘n’ roll. Assim, começavam a fazer planos para ir para São Paulo, evidentemente, a contragosto
dos pais.
Ao
contrário dos jovens de sua cidade, Ana conhecia todas as músicas do anos 60,
70 e 80. Mas a sua grande inspiração de vida e atitude veio quando conheceu a
canção “Bete Balanço”, do Barão Vermelho, que ela começou a cantar e tocar nos
seus covers pela cidade.
A canção tinha sido encomendada a Cazuza para o filme com
o mesmo nome. Ele e Frejat, com quem tinha muita sintonia, a compuseram, vindo
a se tornar um dos maiores sucessos dos anos 80, um dos símbolos dessa geração.
Além do Barão Vermelho, outras bandas se destacaram, como Kid Abelha, Blitz e
os Paralamas do Sucesso.
Apesar da resistência dos pais, Ana começou a fazer
sucesso nos modernos serviços de streaming, como o Spotify e Amazon Music, de
modo que a sua sonhada ida para São Paulo começava a se desenhar no horizonte. Os
primos se uniram e, mesmo contrariando a família, foram tentar a vida em São
Paulo, em maio de 2022.
Agências ligadas ao audiovisual e cinema sediadas na
capital paulista também começaram a se interessar pela história de Ana e Bruno,
cogitando, inclusive, uma continuação do filme “Bete Balanço”, lançado
originalmente em 1984.
A história desses jovens baianos que foram tentar a vida
em São Paulo, na área artística, expuseram dilemas a serem discutidos no âmbito
das famílias e da sociedade, pois as profissões que são consideradas mais
promissoras e seguras ainda continuam sendo as mais tradicionais. Um bom exemplo é o curso de medicina, que continua sendo o
mais procurado e o mais concorrido no ENEM, principalmente pelas classes
sociais consideradas mais abastadas e bem-sucedidas, financeiramente falando.
E é claro, também vieram à tona os temas da
democratização, visibilidade e sucesso, sobretudo no meio musical, onde se
percebe um “grupo fechado” de artistas e conhecidos medalhões da MPB, incluindo-se
aí a discussão em torno da Lei Rouanet.
Diante desse cenário, os pais não querem nem ouvir falar
de filhos que almejam seguir a carreira artística. Mas isso não é só aqui no
Brasil, não – basta ver o clássico filme “Sociedade dos poetas mortos”, de
1989, estrelado pelo saudoso Robin Williams e ambientado nos Estados Unidos.
Enquanto isso, Ana continua revivendo “Bete Balanço” e o
tal velho e bom rock ‘n’ roll, em busca de seu destino e sua estrela, até o
ponto em que quer chegar.
O conto “Bete balanço”, recebeu menção honrosa no VIII
Prêmio Castro Alves de Literatura 2024, promovido pela ATL (Academia
Teixeirense de Letras).
Erivan Santana é professor e poeta, cronista e titular da
cadeira 36 da ATL.