sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

 


Meu nome é Gal (o filme)

 

Recentemente, tive a grata satisfação de assistir ao filme “Meu nome é Gal”, estrelado pela brilhante e carismática atriz Sophie Charlotte, que faz o papel da cantora, falecida em novembro de 2022, antes, portanto, do lançamento do filme, o que foi uma pena.

Dirigido por Dandara Ferreira e Lô Politi, a cinebiografia conta a história da artista, quando vai de Salvador para o Rio de Janeiro, tentar a sorte como cantora. Lá chegando, encontra Caetano, Gil e Bethânia, que juntamente, com outros artistas, como o maestro Rogério Duprat e o poeta Torquato Neto, dão início ao Tropicalismo, movimento inovador e revolucionário da MPB.

Tudo isso acontece em pleno contexto da ditadura militar no Brasil, e com a prisão de Caetano e Gil - e consequente exílio em Londres - Gal Costa se torna a porta voz e grande representante do movimento no país.

Os bastidores e as imagens históricas emocionam, sobretudo quando a cantora aparece na tela, ainda jovem, interpretando “Dê um rolê”, e ocorre um corte para os dias atuais, com ela e a mesma canção, pouco antes do seu passamento para a eternidade.

O filme nos deixa com uma sensação de “quero mais”, mas valeu o registro. Ficamos no aguardo de uma cinebiografia mais robusta e completa, Gal Costa merece.

 

VACA PROFANA

Para Gal Costa (in memoriam)

 

O tropicalismo salva a todos

Dos caretas aos avant-garde

Lembro dos tempos que você

Brincava nas ruas da Barra

No meio, comandando a garotada

Até passar a cantar poesia

Concreta pós moderna tropicália

Salvador te ama e São Paulo

Que é como o mundo todo, te venera

Quem dá um passo atrás

Pode dar um passo à frente

Perdoe, pois muitos não sabem

O que dizem e o que fazem

Pois eu também sei ser careta

No mais, entre o mar e a cruz

Entre Londres e Barcelona

Aceita essa composição dadaísta

Como um quadro de Picasso

Para desespero dos puristas.

 E/Santana. In: Balada da misericórdia na primavera, 2022.








segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

 


RELAÇÕES NA ERA DA INTERNET

 

Os relacionamentos definitivamente mudaram com o advento da internet. A imagem dos vizinhos e amigos reunidos na frente das casas para tomar um cafezinho e bater papo é coisa do passado. Crianças brincando na rua, igualmente.

Receber cartas e telegramas, então, nem precisa falar, com a observação de que a literatura, de uma certa forma, perdeu muito com isso. Muitos livros foram escritos a partir da correspondência entre escritores e poetas.

Mas, falando das mudanças mais urgentes, uma delas e que chamam mais a atenção foi o uso do whatsapp. É cada vez mais raro usarmos o telefone para falar com alguém, e aqui vai o paradoxo – através de um telefonema. Preferencialmente, passou-se a utilizar mensagens de voz ou escrita, com a vantagem de que as pessoas podem verificar e responder a hora que for mais conveniente.

Mas o uso do whatsapp também trouxe problemas e atritos. Com a recente polarização política no Brasil, o seu uso virou sinônimo de desavenças e discórdias, a tal ponto que muitas empresas – e grupos de famílias e amigos também – passaram a proibir postagens com cunho político.

E o que dizer da cultura do cancelamento nas redes sociais? “Artista tal deu determinada declaração e foi cancelado...”  “vou cancelar fulano porque...”. É muita novidade, é muita notícia circulando nas redes.

Por falar em novidades, a nova onda são as declarações de orientações sexuais das celebridades e subcelebridades. Recentemente, a chef Bela Gil, a cantora Simaria e a ex-BBB Key Alves se declararam sapiossexuais, termo que define quem se sente atraído por pessoas muito inteligentes.

O pix veio para ficar, e com ele, vieram os “pixsexuais”, que não resistem a quem transfere dinheiro para suas contas bancárias.

Os “netflixsexuais” são aqueles que procuram um parceiro não propriamente para fins carnais – e mais para maratonar séries no streaming.

Já os “alexasexuais” são aqueles que se sentem atraídos por Alexa, a voz por trás dos serviços de som ofertados pela Amazon. Confesso que sua voz é mesmo atraente, sem falar na facilidade de satisfazer nossos pedidos. Alexa, toca “Não chores mais”, com Gilberto Gil.... Alexa, toca “Nuvem passageira”, com Hermes Aquino... Alexa, qual é a previsão do tempo para hoje?....

De fato, é muita tentação. Em breve, trarei mais novidades sobre “as novas modalidades” de relacionamentos. Fiquem atentos.

A crônica “Relações na era da internet”, recebeu menção honrosa no VIII Prêmio Castro Alves de Literatura, 2024, da ATL.

Erivan Santana é professor e poeta, cronista e titular da Cadeira 36 da Academia Teixeirense de Letras (ATL).

 



 

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

 


BETE BALANÇO

Para todos aqueles que, como eu, viveram intensamente a década de 1980

 

Corria o ano de 2022, a população, ainda assustada, se recuperava dos traumas vividos pela pandemia da Covid-19.

Ana Maria, com os seus dezesseis anos, sofreu. Concluinte do ensino médio em Teixeira de Freitas, ficou assustada quando viu a cidade ficar com o comércio – a principal fonte de renda da cidade – todo fechado, por mais de uma semana.

Gostava de sair com os amigos, principalmente nos finais de semana, quando fazia seus covers de vocal e guitarra em alguns bares da cidade. Com a pandemia, foi obrigada a ficar em casa, e até mesmo sem poder ir à escola, apenas com aulas pela internet.

Na verdade, a jovem não era boa aluna na escola. Gostava apenas de Literatura e Filosofia, nas outras matérias, ficava sempre de recuperação, e passava sempre pelo conselho de classe.

No último ano – o terceiro – foi aprovada pela resolução do período pandêmico que facilitou a aprovação da estudantada em geral.

E assim ia levando. É claro que o seu desempenho escolar era motivo de desavenças com os pais. E não só: teimava em querer ser artista, cantora de rock, o que levava os pais ao desespero.

– Minha filha, você não está vendo a vida difícil dos artistas, apenas alguns poucos conseguem sobreviver nesse ramo. Muitos estão passando fome, igual como diz Raul Seixas, na canção “Ouro de tolo” – tentava argumentar o pai, um cinquentão que viveu e conheceu bem a música dos anos 70 e 80.

Nesse ínterim, apareceu outra “ovelha negra” na família – Bruno, de apenas quinze anos, primo de Ana, que morava em Salvador, e queria ser baterista. A família tentava convencer o jovem a fazer o ENEM para ser médico, arquiteto, advogado, ou qualquer outra profissão, mas ele não queria.

É claro que, apesar da distância, os dois logo se sentiram unidos em torno da sua “causa” em comum. Estavam sempre se falando, usando as facilidades da internet, e até gravando clipes de música em conjunto, que depois postavam no You Tube, começando a ganhar visibilidade e a fazer sucesso, com milhões de visualizações.

Mas havia um problema: tanto em Salvador e mais ainda em Teixeira de Freitas, não havia tanto campo ou mesmo público para a música de que a dupla gostava, ou seja, o rock ‘n’ roll. Assim, começavam a fazer planos para ir para São Paulo, evidentemente, a contragosto dos pais.

Ao contrário dos jovens de sua cidade, Ana conhecia todas as músicas do anos 60, 70 e 80. Mas a sua grande inspiração de vida e atitude veio quando conheceu a canção “Bete Balanço”, do Barão Vermelho, que ela começou a cantar e tocar nos seus covers pela cidade.

A canção tinha sido encomendada a Cazuza para o filme com o mesmo nome. Ele e Frejat, com quem tinha muita sintonia, a compuseram, vindo a se tornar um dos maiores sucessos dos anos 80, um dos símbolos dessa geração. Além do Barão Vermelho, outras bandas se destacaram, como Kid Abelha, Blitz e os Paralamas do Sucesso.

Apesar da resistência dos pais, Ana começou a fazer sucesso nos modernos serviços de streaming, como o Spotify e Amazon Music, de modo que a sua sonhada ida para São Paulo começava a se desenhar no horizonte. Os primos se uniram e, mesmo contrariando a família, foram tentar a vida em São Paulo, em maio de 2022.

Agências ligadas ao audiovisual e cinema sediadas na capital paulista também começaram a se interessar pela história de Ana e Bruno, cogitando, inclusive, uma continuação do filme “Bete Balanço”, lançado originalmente em 1984.

A história desses jovens baianos que foram tentar a vida em São Paulo, na área artística, expuseram dilemas a serem discutidos no âmbito das famílias e da sociedade, pois as profissões que são consideradas mais promissoras e seguras ainda continuam sendo as mais tradicionais. Um bom exemplo é o curso de medicina, que continua sendo o mais procurado e o mais concorrido no ENEM, principalmente pelas classes sociais consideradas mais abastadas e bem-sucedidas, financeiramente falando.

E é claro, também vieram à tona os temas da democratização, visibilidade e sucesso, sobretudo no meio musical, onde se percebe um “grupo fechado” de artistas e conhecidos medalhões da MPB, incluindo-se aí a discussão em torno da Lei Rouanet.

Diante desse cenário, os pais não querem nem ouvir falar de filhos que almejam seguir a carreira artística. Mas isso não é só aqui no Brasil, não – basta ver o clássico filme “Sociedade dos poetas mortos”, de 1989, estrelado pelo saudoso Robin Williams e ambientado nos Estados Unidos.

Enquanto isso, Ana continua revivendo “Bete Balanço” e o tal velho e bom rock ‘n’ roll, em busca de seu destino e sua estrela, até o ponto em que quer chegar.

O conto “Bete balanço”, recebeu menção honrosa no VIII Prêmio Castro Alves de Literatura 2024, promovido pela ATL (Academia Teixeirense de Letras).

Erivan Santana é professor e poeta, cronista e titular da cadeira 36 da ATL.

 



 

 

 

 

 

 


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