O PASSAGEIRO DE PASÁRGADA
O beco estava parado e tranquilo àquela hora, alguns pássaros sobrevoavam, felizes, com o nascer de um novo dia, uma camada de névoa surgia, ocultando parte dos prédios, fato raro, naquele inverno no Rio de Janeiro.
De uma das janelas, o
poeta observava. Foi dali que ele se inspirou para escrever “A última canção do
beco”, um dos seus poemas mais belos e famosos. O cotidiano lhe servia de
inspiração, tinha grande apreço pela simplicidade, o que também fazia parte do
seu jeito de ser.
Era muito querido e
admirado por todos que o conheciam, pelo sua generosidade, simplicidade e
aquele sorriso sempre acolhedor no rosto.
Corria o ano de 1918,
Bandeira estava atento às vanguardas europeias, há muito sentia a necessidade
da liberdade e da ruptura com o modelo parnasiano, tinha percebido o apogeu da
literatura brasileira nas obras mais recentes de Machado de Assis, que de uma
certa forma, era um prenúncio da modernidade que chegava.
Com “Poética”, afirmou “estar
farto do lirismo comedido”, abrindo caminhos para o novo, o futuro estampado nas
artes e na vida, o Brasil dialogando com o mundo, rompendo as amarras de um certo
provincianismo que incomodava.
A modernidade de
Bandeira ganhou contornos definitivos em Drummond, Oswald e sua turma, os tropicalistas
agradeceram e Leminski celebrou com os haicais.
Tínhamos agora, uma literatura para chamar de nossa, como nunca antes, com todos os falares, todas as gentes e regionalismos ali representados.
Carp diem, derrubem as
estantes, revirem os livros, não tenham medo do verso iconoclasta, contanto que
ele sirva para representar o sonho e a revolta, perante o que é estabelecido
sem consentimento.
Dizem que o modernismo
no Brasil começou com a semana de arte moderna em 1922, mas Bandeira não
esperou por ela, e já nos avisava: “vou-me embora pra Pasárgada”. Cada vez mais atual, ele tinha
razão.
Erivan Santana. Texas, junho de 2021
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