terça-feira, 8 de junho de 2021

 



O PASSAGEIRO DE PASÁRGADA

 

O beco estava parado e tranquilo àquela hora, alguns pássaros sobrevoavam, felizes, com o nascer de um novo dia, uma camada de névoa surgia, ocultando parte dos prédios, fato raro, naquele inverno no Rio de Janeiro.

De uma das janelas, o poeta observava. Foi dali que ele se inspirou para escrever “A última canção do beco”, um dos seus poemas mais belos e famosos. O cotidiano lhe servia de inspiração, tinha grande apreço pela simplicidade, o que também fazia parte do seu jeito de ser.

Era muito querido e admirado por todos que o conheciam, pelo sua generosidade, simplicidade e aquele sorriso sempre acolhedor no rosto.

Corria o ano de 1918, Bandeira estava atento às vanguardas europeias, há muito sentia a necessidade da liberdade e da ruptura com o modelo parnasiano, tinha percebido o apogeu da literatura brasileira nas obras mais recentes de Machado de Assis, que de uma certa forma, era um prenúncio da modernidade que chegava.

Com “Poética”, afirmou “estar farto do lirismo comedido”, abrindo caminhos para o novo, o futuro estampado nas artes e na vida, o Brasil dialogando com o mundo, rompendo as amarras de um certo provincianismo que incomodava.

A modernidade de Bandeira ganhou contornos definitivos em Drummond, Oswald e sua turma, os tropicalistas agradeceram e Leminski celebrou com os haicais.

Tínhamos agora, uma literatura para chamar de nossa, como nunca antes, com todos os falares, todas as gentes e regionalismos ali representados.

Carp diem, derrubem as estantes, revirem os livros, não tenham medo do verso iconoclasta, contanto que ele sirva para representar o sonho e a revolta, perante o que é estabelecido sem consentimento.

Dizem que o modernismo no Brasil começou com a semana de arte moderna em 1922, mas Bandeira não esperou por ela, e já nos avisava: “vou-me embora pra Pasárgada”. Cada vez mais atual, ele tinha razão.

Erivan Santana. Texas, junho de 2021




 

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